XXVIII Colóquio Winnicott Internacional | Identidades

Apresentação

O conceito de identidade é um componente central da teoria winnicottiana da realização do potencial da natureza humana no processo de amadurecimento por crescente integração. Este processo inicia-se pelo estabelecimento de um si-mesmo unitário espontâneo e, no decorrer do tempo, alcança outras formas de identidade – a do EU SOU, a familiar, sexual, de gênero, racial, social, cultural etc. Base para a compreensão do que está em jogo nas distorções desintegrativas winnicottianas e nos bloqueios desse processo, esse conceito é ainda a chave para a formulação de procedimentos que levem à obtenção de objetivos básicos do tratamento, em particular, à recuperação da espontaneidade e ao fortalecimento e restabelecimento da identidade pessoal ameaçada ou mesmo perdida. Por tudo isso, aqui estamos diante de um marco da quebra do paradigma da psicanálise tradicional operada por Winnicott. Não surpreende que este conceito está ausente em Freud e que não o encontramos dicionarizado em nenhum dos mais importantes dicionários dessa disciplina, como o de Laplanche-Pontalis e o de Roudinesco-Plon. Consta no de Charles Rycroft, só que emprestado de Erik Erikson. O presente colóquio propõe-se a: 1) reconstruir o papel do conceito de identidade no paradigma winnicottiano tomado no sentido estrito, a saber, como quadro para a resolução de problemas de saúde entendidos como problemas de amadurecimento integrativo, e 2) aplicar esse conjunto de ideias à discussão de problemas de estabelecimento e de distúrbios de identidade que se revelam urgentes nos dias de hoje.

Z. Loparic

Dia 1

Quinta-feira, 09 de maio de 2024
18h40 – 18h50 Abertura: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA)
Supervisão Pública: Do climatério à puberdade
18h50 – 20h20 Supervisora: Maria Cecília Schiller Sampaio Fonseca (IBPW|IWA)
Supervisionanda: Milena Del Santo Rosa (IBPW|IWA)
20h20 – 20h50 Debate
Moderador: Daniela Guizzo (IBPW|IWA)
20h50 Encerramento: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA)

Dia 2

Sexta-feira, 10 de maio de 2024
09h00 – 09h30 Abertura: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA) e Zeljko Loparic (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 1
09h30 – 09h50 Palestrante: Caroline Vasconcelos Ribeiro (UESB|IBPW|IWA)
Título: A arte de Francis Bacon e as “Memórias” de Schreber: considerações a partir do conceito winnicottiano de identidade
09h55 – 10h15 Palestrante: Éder Soares Santos (UEL|IBPW)
Título: A autoconsciência de si (self-awareness) como forma fundamental da identidade
10h15 – 10h35 Debate
Moderador: Cristian Holovko (IBPW|IWA)
10h35 – 10h55 Coffee-break
Mesa Redonda 2
11h00 – 11h20 Palestrante: Chenxi Wei (IWA China)
Título: Observação clínica: “sendo” por meio de uma identidade sujeito-objeto: um processo de criar, mutilar e reparar uma vida interior
11h25 – 11h45 Palestrante: Ricardo Telles de Deus (CEP|IBPW|IWA)
Título: A frágil identidade da senhora Vogler: notas winnicottianas a propósito do filme Persona, de Ingmar Bergman
11h45 – 12h05 Debate
Moderador: Cristian Holovko (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 3
12h10 – 12h30 Palestrante: Suzanna Guida (IWA Itália)
Título: Ser, sou, eu sou. Vicissitudes da identificação primária como pedra angular da identidade subjetiva
12h35 – 12h55 Palestrante: Maria do Rosario Belo (IWA Portugal)
Título: Sobre o “ser” e o “fazer”. Reflexões sobre elementos femininos e masculinos puros na constituição identitária
12h55 – 13h15 Debate
Moderador: Maria Cecília Schiller Sampaio Fonseca (IBPW|IWA)
13h15 – 14h15 Almoço
14h15 – 14h20 Reabertura: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 4
14h20 – 14h40 Palestrante: Ivonise Fernandes da Motta (USP)
Título: Falso Self e o Viver nos Dias Atuais
14h45 – 15h05 Palestrante: Julieta Bareiro (IWA Argentina)
Título: Aspectos identitários do si-mesmo: proteção e dom nos estágios iniciais
15h05 – 15h25 Debate
Moderador: Paulina Basch (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 5
15h30 – 15h50 Palestrante: Rodolfo José Fenille Ferraz (IBPW|IWA)
Título: Pensando as identidades de gênero como um desafio à psicanálise
15h55 – 16h15 Palestrante: Conceição Aparecida Serralha (UFTM|IBPW|IWA)
Título: A identidade aquém da pseudoidentidade
16h15 – 16h35 Debate
Moderador: Claudia Del Corto (APVP|IBPW|IWA)
16h35 Encerramento: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA)

Dia 3

Sábado, 11 de maio de 2024
09h00 – 09h05 Abertura: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 6
09h05 – 09h35 Palestrante: Elsa Oliveira Dias (IBPW|IWA)
Título: A construção da identidade
09h40 – 10h00 Palestrante: Liu Xinchun (IWA China)
Título: A função da estrutura na psicoterapia psicodinâmica
10h00 – 10h20 Debate
Moderador: Luciana Sarkozy (IBPW|IWA)
10h20- 10h40 Coffee-break
Mesa Redonda 7
11h00 – 11h20 Palestrante: Zhang Yizhe (IWA China)
Título: O seu nome: terapia psicanalítica de uma paciente com transtorno dissociativo de identidade
11h25 – 11h45 Palestrante: Laura Dethiville (IWA França)
Título: Se não é você, então é seu irmão
11h45 – 12h05 Debate
Moderador: Lívia Drummond (IBPW|IWA)
Mesa Redonda 8
12h10 – 12h30 Palestrante: Leticia Minhot (IWA Argentina)
Título: Os diferentes feminismos e a teoria do amadurecimento
12h35 – 12h55 Palestrante: Suze Piza (UFABC)
Título: Ser, ser-com, ser-diferente-de – pensar com Winnicott processos de constituição da identidade pessoal em sociedades marcadamente identitárias
12h55 – 13h15 Debate
Moderador: Adriana Pacchioni (IBPW|IWA)
13h35 Encerramento: Claudia Dias Rosa (IBPW|IWA) e Zeljko Loparic (IBPW|IWA)

Mini currículos

Caroline Vasconcelos Ribeiro

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei, mestrado em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, doutorado e Pós-doutorado em Filosofia pela Unicamp, sob orientação de Zeljko Loparic. É Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Membro do Programa de Pós-graduação em Memória, Linguagem e Sociedade (PPGMLS/UESB). Membro da International Winnicott Association (IWA) e do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW). Tem experiência na área de Filosofia Contemporânea, Psicanálise Winnicottiana e nos Estudos sobre a Memória. 

Chenxi Wei

Psicoterapeuta do Departamento de Saúde Mental do Beijing United Family Hospital. Especializado em distúrbios emocionais, psiconeuroses e transtornos do processo de amadurecimento de crianças acima de nove anos, adolescentes e adultos, atende pacientes individuais, casais e famílias. Chenxi Wei formou-se psicoterapeuta pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW), tendo também estudado na Universidade estadual de Campinas (Unicamp). 

Conceição Aparecida Serralha

Pós-doutora em Psicologia pela Universidad Argentina John F. Kennedy – UK – Buenos Aires (2018) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (2018); possui doutorado e mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002; 2007). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Intervenção Terapêutica, atuando principalmente nos seguintes temas: Winnicott, psicanálise, ambiente humano e amadurecimento humano, autismo. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFTM (PPGP-UFTM). Psicanalista didata do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW), filiada à International Winnicott Association (IWA). Autora dos livros O ambiente facilitador winnicottiano: teoria e prática clínica e “Não atendo criança”: situações de risco para a não constituição do simesmo individual. Dedica-se ao atendimento clínico e supervisões clínicas. 

Éder Soares Santos

Éder Soares Santos possui graduação em Filosofia (1997), mestrado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2001), doutorado sanduíche em Filosofia – Universität Freiburg (Albert- Ludwigs) (2005), doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2006) e pós-doutorado na Bergische Universität Wuppertal (2015). Tem pesquisado na área da Filosofia da Psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia da psicanálise, fenomenologia existencial, teoria dos paradigmas em Kuhn, teoria do amadurecimento pessoal. Publicou os livros Winnicott e Heidegger: aproximações e distanciamentos e Path of Science of Man in Heidegger. Publicou vários artigos e capítulos de livros sobre temas relacionados à filosofia e psicanálise. Foi Coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia (mestrado/doutorado) da Universidade Estadual de Londrina, nas gestões 2009-2013 e 2017-2021. Professor Associado no Departamento de Filosofia na Universidade Estadual de Londrina. 

Elsa Oliveira Dias

Elsa Oliveira Dias é psicóloga clínica e analista didata (IBPW). É mestre em Filosofia e doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP, com a tese “A teoria das psicoses de D.W. Winnicott”. Em 2001, fundou, juntamente com Zeljko Loparic, o Centro Winnicott de São Paulo (CWSP); em 2005, ambos fundaram a Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana (SBPW), que tem como objetivo promover pesquisa, ensino e divulgação da psicanálise winnicottiana. Em 2013, foi cofundadora com Z. Loparic, e vice-presidente da IWA (International Winnicott Association). É autora dos livros A teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott, já em sua 4ª edição (2017); Sobre a confiabilidade e outros estudos (2011), Interpretação e manejo na clínica winnicottiana (2014), e Competências do terapeuta winnicottiano (2021), todos pela DWWeditorial, além de vários artigos sobre Winnicott, a filosofia e a psicanálise, publicados no Brasil e no exterior. 

Ivonise Fernandes da Motta

Psicóloga, Mestre, Doutora e Livre Docente pelo IPUSP. Atualmente é professora Associada no Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica. Supervisora do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Psicoterapia Psicanalítica (CEPSI-UNIP). Trabalho em consultório particular com pais, adolescentes, adultos, idosos e supervisão clínica de profissionais da área. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa sobre o Desenvolvimento Psíquico e a Criatividade em Diferentes Abordagens Psicoterápicas (LAPECRI), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 

Julieta Bareiro

Psicanalista, Dra. em Psicologia (UBA), Mestre em Psicologia (UBA), Pesquisadora do CONICET, Professora responsável pela disciplina “Psicologia, Ética e DDHH”, UBA, Professora de graduação e de pós-graduação, autora de Clínica del uso de objeto: la posición del analista en la obra de D.W. Winnicott, Winnicott y Heidegger: hacia una metapsicología de la transicionalidad e Winnicott en discusion: clínica, ética y género assim como de diversos artigos nacionais e internacionais. É membro da IWA e coordenadora do grupo Winnicott Bs As da IWA. 

Laura Dethiville

Laura Dethiville é psicanalista, membro-associada da Société de Psychanalyse Freudienne e membro-fundadora da International Winnicott Association (IWA). Há vinte anos organiza um seminário sobre a obra de Winnicott, participando também de conferências na França e no Exterior. Presidenta do grupo francês da IWA, publicou Winnicott, une nouvelle approche (2008) e La clinique de Winnicott (2013) – traduzidos para diversas línguas , além de diversos artigos em revistas francesas e estrangeiras.

Leticia Minhot

Graduada em Filosofia pela Universidade Nacional de Córdoba e Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atua como Professora Titular da cadeira de Problemas Epistemológicos de Psicologia, na Faculdade de Psicologia, e como Professora Titular da disciplina Concepções Filosóficas, na Faculdade de Ciências Sociais – ambas da Universidade Nacional de Córdoba. Suas áreas de pesquisa são Filosofia da Psicanálise, com ênfase em Freud e Winnicott, Ética do cuidado e Filosofia política da ciência. É presidenta da IWA para o biênio 2024/2025. 

Liu Xinchun

Doutorando em Psicologia Clínica, Professor no Centro de Saúde Mental da Universidade de Tianjin, Membro do Grupo Winnicott de Beijing, Psicoterapeuta registrado na Sociedade Psicológica Chinesa. Área de pesquisa: saúde mental de adolescentes e violência conjugal. Mais de 20 artigos publicados e mais de 10 projetos organizados sobre intervenção contra suicídio e de violência conjugal. 

Maria do Rosário Belo

Psicanalista. Presidente, Diretora Científica e fundadora da recém-criada Associação Winnicottiana Portuguesa Centro de Investigação. Membro didata e fundador da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica. Formada em Psicologia Clínica pelo ISPA e Doutoranda em Filosofia na Universidade de Évora. Investigadora do pensamento de Donald Woods Winnicott e interessada pelas intercepções destes estudos com o pensamento de Heidegger. Supervisora e formadora, é também autora de vários artigos com base na prática e na reflexão Psicanalitica, e dos livros O Percurso de um Psicanalista, editado pelas Coisas de Ler em 2015 e reeditado em 2020 e de Estudos Winnicottianos, editado pelas Coisas de ler em 2020. Ambos reeditados pela Climepsi em 2023. 

Ricardo Telles de Deus

Psicanalista; Pós-doutorado em Psicologia Clínica (PUC-SP); Docente do Curso de Formação Winnicottiana (IBPW); Docente do Curso de Formação em Psicanálise (CEP); Coordenador do Núcleo “Psicanálise e Psicoses” (CEP); Membro da IWA; Membro Pesquisador da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. 

Rodolfo José Fenille Ferraz

Psicanalista. Membro do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana. Possui formação em Filosofia, Teologia e Psicologia. 

Suzanna Guida

Graduada em Filosofia e Psicologia. Especialização (Mestrado) em Psicoterapia psicanalítica para crianças, adolescentes e casais pelo Instituto Winnicott de Roma. Membro da Società Italiana di Psicoterapia Psicoanalitica del Bambino, dell’Adolescente e della Coppia (S.I.P.S.I.A), da European Federation for Psychoanalytic Psychotherapy (EFPP) e da International Association of Couple and Family Psychoanalysis (AIPCF). Cofundadora do Centro clínico Tana Libera Tutti de psicoterapia para crianças, adolescentes e casais. Atuou como vice-diretora do Centro clínico desde sua fundação, em 2005, até 2015. Professora do Curso de especialização em psicoterapia psicanalítica de crianças, adolescentes e casais do Instituto Winnicott de Roma. Susanna Guida trabalhou por muitos anos ao lado de Andreas Giannakoulas, psicólogo grego, aluno direto de Donald Winnicott durante o período de sua formação em Londres e responsável por trazer, na década de 1980, o pensamento de Winnicott para Roma, onde fundou o Istituto Winnicott de Roma e a S.I.P.S.I.A. 

Suze Piza

Suze Piza é professora de Filosofia na UFABC, credenciada no programa de pós-graduação de Filosofia e no programa de Economia Política Mundial. Pesquisa sobre pensamento ético-político contemporâneo. É doutora pela Universidade Estadual de Campinas.

Zhang Yizhe

Professor na Universidade de Xangai, Mestre em Psicanálise pela Universidade de Londres, Psicólogo clínico e de aconselhamento pela Sociedade Psicológica Chinesa (CPS), Membro da Associação Internacional Winnicott (IWA). 

Resumos

Caroline Vasconcelos Ribeiro
Título: A arte de Francis Bacon e as Memórias de Schreber: considerações a partir do conceito winnicottiano de identidade

Na filosofia cartesiana, o “eu pensante” – apartado do mundo e ainda não muito seguro das provas da existência de seu corpo – é tomado como o ponto de partida que identifica a certeza do existir. Já na psicanálise de Winnicott, encontramos a ideia de que nossa “identidade experiencial” é uma conquista que implica o alcance do conluio psique-soma. Longe de ser cognitiva e exclusivamente mental, essa identidade que nos permite ter o sentimento de real, ter experiências em primeira pessoa e considerar o limite entre “eu e não-eu”, é psicossomática. Para alcançar essa identidade pessoal encarnada é preciso um manejo ambiental adaptativo, em que o gesto do lactente é acolhido pelo olhar empático da mãe. Para Winnicott, o rosto materno responsivo ao gesto do bebê é o precursor do espelho, de modo que se a mãe não refletir seu próprio humor ou a rigidez de suas defesas, ela permitirá que o bebê veja a si mesmo. Aqui, ao invés do “Penso, logo existo” cartesiano, cabe a expressão formulada por Winnicott: “Quando olho, sou visto; logo, existo”. Segundo o psicanalista, sob condições ambientais favoráveis, a pele se torna o limite entre o eu e o não-eu, em outros termos, a psique faz morada no soma e temos uma identidade ancorada no existir psicossomático. Considerando essa conquista do amadurecimento emocional, nos perguntamos o que está em jogo quando vemos plasticamente ou em relatos de pessoas que não sentem que habitam o mundo dos nascidos, a ausência deste contorno limitador que a pele instaura? Quando vemos, como na arte de Francis Bacon, um corpo que derrete e suas vísceras ficam expostas de modo perturbador? Quando seus quadros revelam rostos distorcidos, amorfos, sem qualquer traço de comunicação empática? Quando se experimenta, como no delírio de Schreber, a penetração de raios no corpo que produzem milagres que fazem a laringe ser deglutida, os dentes caírem, a peste se instalar e putrefar o ventre? Tendo como ponto de partida a discussão winnicottiana sobre a identidade, visamos examinar a experiência de perseguição corporal descrita por Schreber. Pretendemos fazer isso à luz da pintura visceral de Francis Bacon, entendido por Winnicott como um “exasperador, perito e desafiador artista de nossa época que continua a pintar o rosto humano significantemente deformado”. Nossa hipótese é que a carnalidade viva e desfigurada, presente nas telas do artista anglo-irlandês, é frutífera para ilustrar as detalhadas descrições de Schreber acerca da maneira como raios divinos operavam sobre seus nervos e, de forma atentatória e grotesca, deformavam seu corpo a ponto de emasculá-lo, perfurar seus pulmões, modificar sua estatura, destruir suas costelas e pulverizar sua calota craniana. 

Chenxi Wei
Título: Observação clínica: “sendo” por meio de uma identidade sujeito-objeto: um processo de criar, mutilar e reparar uma vida interior 

Ao revisar e refletir sobre meu trabalho com uma paciente, este artigo pretende discutir um processo observado na clínica: a paciente estabelece com o terapeuta um relacionamento por meio de identificação primária, experimentando em seguida uma regressão emocional e a emergência de sua identidade. Depara-se, porém, com a realidade e quase aniquila-se. Só depois de sobreviver ao difícil trabalho de reparar o que desfizera, começa um relacionamento interpessoal. O paradigma winnicottiano dos processos de maturação ajudou-me a manter uma visão mais abrangente e contínua do caso desde o início, e também me deu sustentação durante o estágio crítico de sobrevivência. Este caso indica o quão importantes são os detalhes operacionais, como a relação subjetiva com o objeto, as interpretações “iniciais” ou “profundas” e a navegação entre adaptação e interpretação. 

Conceição Aparecida Serralha
Título: A identidade aquém da pseudoidentidade

Nesta conferência, pretendo discutir o conceito identidade como ele aparece na teoria do amadurecimento de Winnicott. Em vários pontos de sua obra, o autor nos leva a compreender a identidade como algo que, se tudo corre bem, a alcançamos – constituímos um simesmo unitário –, ou a constituímos falsamente para nos proteger de falhas ambientais. Em outros pontos, entretanto, ele nos leva a compreender a identidade como uma característica ou elemento presente desde o nascimento, ou mesmo antes deste, que irá constituir o simesmo unitário. Nesse caso, a identidade é anterior a qualquer senso de objetividade, senso de eu e de outro, senso de gênero ou sexo, tão primitiva que sua continuidade de forma espontânea parece impossível. O ambiente clínico pode favorecer o acolhimento à identidade possível e atender às necessidades que flexibilizem as defesas, para quem sabe, aproximar o indivíduo de sua verdadeira identidade. 

Éder Soares Santos
Título: A autoconsciência de si (self-awareness) como forma fundamental da identidade

A apresentação procura levantar uma discussão sobre a autoconsciência de si como um princípio organizador da identidade, mostrando a necessidade de se pensar os sentidos de uma consciência pré-reflexiva em diferença com a reflexiva, o papel da temporalidade e da corporalidade na formação de um estar consciente de si (aware). Num segundo momento, procuramos mostrar como tais conceitos se fazem presente na teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott. 

Elsa Oliveira Dias
Título: A construção da identidade 

De ter sido concebido, ainda no útero da mãe, até a conquista da identidade unitária num EU SOU é uma longa jornada. Há muitas maneiras de descrever essa longa jornada – do objeto subjetivamente concebido ao objeto objetivamente percebido, da não-integração à integração numa unidade, da tendência a se desmanchar a reunir-se e habitar o corpo – o fato é que, nessa trajetória, muitas conquistas são feitas e há muitas oportunidades de fracasso. O alcance da identidade no EU SOU é, em Winnicott, a fronteira entre saúde e doença, uma vez que o distúrbio maturacional prototípico não é a neurose, mas a psicose. O EU SOU não é, contudo, apenas uma meta, um acabamento; é também um começo, uma posição, a única a partir da qual se pode viver. Sem o EU SOU, não há onde enraizar as escolhas no eu e elas ficam sujeitas a todas as intempéries. Como eu posso saber o que tem valor, o que de fato importa ou o que é bom para mim, se me falta justamente o “mim”, que é a única instância capaz de validar e sustentar a escolha? 

Ivonise Fernandes da Motta
Título: Falso self e o viver nos dias atuais 

Solidão, depressão, vazio são sinais frequentes de sofrimento nos dias atuais. Sabemos que sentir-se real e com existência própria é conquista da integração. Construção que se faz desde os primórdios de nossa história. Se tudo corre bem, constituímos um EU com contornos bem estabelecidos. Através do contato com os outros de nosso entorno nos relacionamos com diferentes grupos, podendo alargar pouco a pouco nossa comunicação com o mundo. À medida que vamos crescendo e amadurecendo, temos chance de constituir a crença de que é possível viver uma vida com valor na companhia das pessoas e grupos que nos são caros. Porém, sabemos que crises e desencontros acontecem em nossas vidas e que, por vezes, podemos nos distanciar de nós mesmos. O sentimento de solidão pode ser um sinal desse afastamento. Um mundo com tantas urgências e exigências pode nos afastar do genuíno e espontâneo em nosso viver. Esse é o tema que objetivamos aprofundar nessa comunicação. 

Julieta Bareiro
Título: Aspectos identitários do si-mesmo: proteção e doação nas etapas iniciais

A possibilidade de habitar o mundo de um modo pessoal, como defende Winnicott, depende de vários fatores. Um deles, é sobretudo a questão do cuidado nas primeiras etapas da vida. A proteção e o suporte à vida permitem o desenvolvimento das potencialidades do bebê, com as quais ele moldará seu mundo. Esta função depende do outro e da confiança baseada nesse vínculo, que constrói um espaço de cuidado. Assim entendidas, as contribuições winnicottianas sobre os estágios iniciais referem-se ao fato de que a existência surge na relação com. Este vínculo não tem um motivo puramente operacional, tem também, um motivo ético. Winnicott adverte que ser eficaz no cuidado do bebê, mas indiferente afetivamente, o leva a uma terrível experiência de abandono. A noção de dependência dupla chama a atenção para o fato do bebê precisar de muito mais do que alimento ou nutrição. Em linhas gerais, sem o interesse amoroso, o desenvolvimento perde a possibilidade de crescimento subjetivo, fundamento de todo processo somático e psíquico. A preocupação com o outro, o modo como a mãe se relaciona com seu bebê e as condições de facticidade desse cuidado são a chave para o suporte (holding) e o manejo (handling), na medida em que envolvem as condições do ser winnicottiano. 

Laura Dethiville
Título: Se não é você, então é seu irmão 

O Sujeito vai se constituindo aos poucos por meio de múltiplas identificações com aqueles que constituem seu ambiente e, de um modo mais sutil, com o desejo dos pais (muitas vezes inconsciente). Ignoramos por muito tempo a importância das interações cruzadas, até mesmo entre irmãos, e o lugar essencial das relações entre irmãos e irmãs na construção psíquica. Retomarei essa questão com base em casos clínicos. 

Leticia Minhot
Título: Winnicott e o feminismo da terceira onda 

Neste trabalho partimos da ideia de que o feminismo, particularmente o da terceira onda, não pode ser explicado a partir de nenhuma das teorias psicanalíticas da sexualidade. Isto não implica que qualquer elemento da teoria do amadurecimento de D.W. Winnicott possa ser usado para abordar este movimento. Assim, a questão que nos orienta é sobre quais aspectos, dentro deste referencial teórico, podem cumprir esse propósito. A nossa tese sustenta que não é para a teoria da identificação sexual que devemos olhar, mas para a noção de identificação cruzada, aquela capacidade de se colocar no lugar do outro onde vamos encontrar o elemento-chave para entender que o feminismo da terceira onda é, fundamentalmente, uma ética. A identidade daí resultante não é a do indivíduo e do seu gênero, mas sim aquela que advém da inserção num coletivo que se constitui como resistência comum a todas as formas de opressão. A identificação cruzada como capacidade que é sinal de saúde é a base do feminismo. 

Liu Xinchun
Título: A função da estrutura na psicoterapia psicodinâmica 

A estrutura terapêutica inclui o setting analítico e atitudes analíticas. O objetivo dessa estrutura é criar um espaço, onde terapeuta e paciente possam ter, mutuamente, a oportunidade de ouvir e participar dos seus próprios pensamentos, sentimentos e dos movimentos do inconsciente. A estrutura interna do terapeuta deve ser boa e sólida independentemente da variabilidade da estrutura externa. O terapeuta deve ter a sensação de ter se oferecido para nadar com o paciente num mar tempestuoso, mas também de estar mantendo firme o leme do trabalho psicanalítico que está em curso, navegando em direção à continuidade do ser e fazendo o melhor num difícil trabalho. 

Maria do Rosário Belo
Título: Sobre o “ser” e o “fazer”. Reflexões sobre elementos femininos e masculinos puros na constituição identitária 

A presente comunicação reflete sobre a articulação entre “elementos femininos” e “masculinos puros” na constituição da identidade. A discussão gira em torno do entendimento dos processos saudáveis e envolve dois níveis de compreensão. Um primeiro nível que integra a presença do “elemento masculino” puro na fase da “dependência absoluta”, tal como entendemos a presença da base instintual na fase da “dependência absoluta”. Isto é, estão presentes e fazem parte, mas não se destacam (na saúde) – apenas se destacam na doença. Num segundo nível de compreensão temos a emergência da possibilidade de “fazer” (“elemento masculino puro” que se afirmar e destaca) depois da constituição da “identidade primária” (depois da estabilização da conquista de um “eu unitário” e, portanto, depois da fase da “dependência absoluta”). Assim, a “identidade primária” integra já o “elemento masculino puro” da personalidade, embora este só se destaque após a sua constituição: o ser antes do fazer. No próprio processo que envolve a presença do “elemento masculino puro” na fase da “dependência absoluta”, como aspeto fundamental da constituição da identidade primária, também aqui, dizia, a presença do “elemento feminino puro” precede a presença do “elemento masculino puro”. 

Ricardo Telles de Deus
Título: A frágil identidade da senhora Vogler: notas winnicottianas a propósito do filme Persona, de Ingmar Bergman 

No ano de 1966, Ingmar Bergman, dramaturgo, diretor de teatro e cineasta sueco, traz a público o filme Persona. Neste, deparamos com a dramática situação de Elisabeth Vogler, uma atriz de teatro que, no palco e diante do público, sofre um colapso em meio à peça Electra. Dali em diante, dentre outras coisas, ela recusa-se a falar e é hospitalizada. Com base no filme, bem como no roteiro, em minha comunicação estarei às voltas com o estudo desta intrigante personagem. Interessa-me pôr em relevo o modo como Bergman, através da senhora Vogler, expõe o fato de que nem todo indivíduo é capaz de experimentar uma identidade pessoal, resultado de uma grave dissociação entre o falso e o verdadeiro self. 

Rodolfo José Fenille Ferraz
Título: Pensando as identidades de gênero como um desafio à psicanálise 

A Psicanálise passa pelo desafio ético do confronto entre seu saber e as novas expressões de identidades – dentre elas, em especial, a identidade das pessoas trans. Nos propomos pensar a partir da teoria do amadurecimento de D.W. Wnnicott, único autor no interior da Psicanálise a fazer constar na sua formulação o conceito de identidade. Mais do que apontar caminhos e apresentar respostas, esperamos fazer perguntas sobre nós mesmos, nossa compreensão do fenômeno das transidentidades e a tarefa que temos ainda a percorrer na articulação entre a psicanálise e os desafios postos pelo nosso tempo. 

Suzanna Guida
Título: Ser, sou, eu sou. Vicissitudes da identificação primária como pedra angular da identidade subjetiva

A identidade, muito antes de ser explorada de diversas formas, inclusive nos aspectos individuais, sociais e específicos de cada grupo, está ligada ao “ser”. Ao problematizar a centralidade e a exclusividade do ponto de vista pulsional, Winnicott também introduziu o tema do “ser” na teoria psicanalítica, colocando-o ao lado do aspecto pulsional e em tensão dialética com este. Com base num exame mais detalhado do conceito winnicottiano de “identificação primária” – um conceito que ainda não foi extensiva ou completamente explorado pela literatura psicanalítica –, utilizaremos neste artigo vários exemplos para ilustrar melhor suas implicações clínicas e para mostrar como o “nada” subjetivo do paciente pode entrar no consultório terapêutico e ser tratado de acordo com os ensinamentos winnicottianos.

Suze Piza
Título: Ser, ser-com ser-diferente-de – pensar com Winnicott processos de constituição da identidade pessoal em sociedades marcadamente identitárias 

Pensar com Winnicott sobre processos de constituição da identidade pessoal em sociedades marcadamente identitárias. Neste momento em que as pautas ético-políticas da sociedade brasileira estão fortemente marcadas por questões que envolvem identidades, a psicanálise de Winnicott oferece recursos importantes para avaliar em que medida os ambientes possíveis nestas sociedades identitárias são suficientes para a tarefa de integração de experiências, que faz parte do amadurecimento pessoal, ou ainda qual a capacidade destes ambientes de sustentar processos de integração dos que estão no mundo. 

Zhang Yizhe
Título: O seu nome: terapia psicanalítica de uma paciente com transtorno dissociativo de identidade

O nome é um símbolo da identidade de uma pessoa, ele carrega expectativas e transmite esperanças. Se uma pessoa descarta seu próprio nome, o que resta? Este é um relato de um caso real. Winnicott afirma: “Não estou disposto a sacrificar a singularidade do material clínico em prol da completude teórica”. Convido todos os leitores a interpretarem este caso com teorias e perspectivas que lhes são familiares, enquanto me encarrego apenas de registrá-lo e apresentá-lo fielmente, deixando de lado o eu, a mente, o desejo, a memória.

Inscrição

*Haverá certificado de participação para todos os inscritos.

*O evento será ministrado inteiramente online e a gravação ficará disponível por 30 dias.

VALORES
Filiados IBPW: R$ 160,00
Estudantes: R$ 210,00
Profissionais: R$ 275,00
Gratuidade USP (necessária apresentação da carteirinha da USP) – vagas limitadas!

Preencha o formulário abaixo, com o seu nome completo, para se inscrever.

O Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana, não se responsabiliza por eventuais problemas ou dificuldades técnicas do inscrito no momento da transmissão online.

Política de cancelamento de inscrição em eventos
1. O prazo máximo para cancelamento de participação é de até 07 (sete) dias de antecedência do evento.
2. A inscrição no evento somente será cancelada mediante envio de comunicação para o e-mail: admin@ibpw.org.br
3. Serão devolvidos 80% (oitenta por cento) do valor pago, até o último dia útil subsequente ao mês de realização do evento.
4. A inscrição é PESSOAL e INTRANSFERÍVEL.
5. Em caso de não comparecimento no dia do evento o valor investido na inscrição não será reembolsado, não será gerado crédito para outros eventos e não dará direito ao envio de materiais que possam vir a ser entregues no curso.

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Local

Evento híbrido.

Online ou Presencial:
09/05: IBPW – Rua João Ramalho, 146 – Perdizes. São Paulo, SP
10/05 e 11/05: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – R. da Biblioteca, 21 – Vila Universitaria, São Paulo – SP, 05508-065

Restaurantes próximos à Biblioteca Brasiliana – USP:

 

Lanchonete das Letras

Av. Prof. Luciano Gualberto, 298-460 – Butantã, São Paulo – SP, 05508-010

Universidade de São Paulo

 

Sweden Restaurante

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 4 – Butantã, São Paulo – SP, 05508-020

Universidade de São Paulo

 

Temakeria Makis Place Butantã

Av. Vital Brasil, 1108 – Butantã, São Paulo – SP, 05503-000

Serve pratos veganos

 

Sukiya Butantã

Av. Vital Brasil, 1250 – Butantã, São Paulo – SP, 05503-000