Donald Winnicott

Donald Winnicott

Winnicott era um pediatra que subordinou toda a sua obra ao propósito de elaborar uma teoria dos processos maturacionais que explicasse as condições pelas quais um bebê, imaturo e altamente dependente dos cuidados ambientais no início da vida, torna-se, aos poucos, caso receba tais cuidados, uma pessoa integrada num eu, capaz de estabelecer relações com a realidade externa, de cuidar de si mesmo, de responsabilizar-se em grande parte pela própria vida, e de socializar-se; capaz, ainda, muitas vezes, de usufruir ou mesmo de dar uma contribuição ao acervo cultural da humanidade, sentindo que, a despeito de a vida conter problemas e sofrimentos, vale a pena vivê-la.
Para melhor exercer a sua tarefa de pediatra, Winnicott foi buscar conhecimento e experiência na psicanálise, tendo se tornado psicanalista de crianças e, simultaneamente, de adultos psicóticos. O intuito era usar, na sua clínica infantil, o que aprendia com os fenômenos regressivos que observava no seu trabalho com psicóticos e, igualmente, usar nesse trabalho o que aprendia com as mães e seus bebês. Acabou exercendo o que ele próprio chamou de psiquiatra infantil com base em uma psicanálise radicalmente modificada por ele mesmo. Essa modificação consiste, no essencial, em três pontos: 1) a formulação de uma teoria do amadurecimento que passa a servir como teoria-guia no entendimento das patologias maturacionais e das práticas clínicas, da qual faz parte uma teoria da sexualidade; 2) a valorização do fator ambiental, sobretudo o inicial, na constituição do indivíduo humano, desde o seu nascimento e 3) a substituição dos conflitos internos – resumidos no Complexo de Édipo e privilegiados pela psicanálise tradicional – pelos problemas vividos no colo da mãe e nos “círculos cada vez mais amplos” que substituem esse colo ao longo do amadurecimento, tais como a família, a escola e a sociedade em geral.
A teoria winnicottiana dos processos maturacionais, por conceituar e descrever, a partir do absoluto início, as diferentes tarefas, conquistas e dificuldades que fazem parte do processo de amadurecer em cada um dos estágios da vida, serve de guia tanto para a compreensão dos fenômenos da saúde – o que propicia que melhor se aproveitem os recursos saudáveis de um dado indivíduo – como para diagnosticar e tratar, o mais precocemente possível, as dificuldades não resolvidas de vários estágios maturacionais.
Formulada nesses termos, a patologia maturacional winnicottiana traz uma contribuição fundamental para a clínica psicanalítica e psicoterapêutica, orientando o diagnóstico e dando um norte para o terapeuta. Este deve poder estar ciente da idade emocional em que o paciente se encontra num dado momento da relação terapêutica, seja para dar-se conta da imaturidade ali exposta, seja para acompanhar o paciente nas diferentes etapas do seu amadurecimento, incluindo fases de grande dependência. Esse horizonte favorece o tratamento dos casos chamados difíceis, que não podiam ser abrangidos pela psicanálise tradicional. Mas não apenas. Essa teoria permite, ainda, repensar procedimentos terapêuticos em vários outros campos da saúdea pediatria, a psiquiatria infantil, a fonoaudiologia, a enfermagem, o serviço social psiquiátrico, a terapia ocupacional –, assim como orientar o que compete à assistência social e à educação em termos de cuidados que favoreçam o amadurecimento. Traz também uma preciosa contribuição a todos os que se envolvem em políticas de prevenção.