Minicurso | A diferença entre ser ferido e ser aniquilado: um olhar a partir do paradigma winnicottiano

Apresentação

Em sua pesquisa sobre paradigmas em psicanálise, Zeljko Loparic nos fez ver que a perspectiva freudiana tem como exemplar o conflito edipiano no qual o jogo pulsional é composto por três pessoas inteiras. Os conflitos que daí decorrem residem no interior de indivíduos capazes de viver em primeira pessoa e ter uma história de vida. As consequências que derivam do modo como a criança desejou seu genitor do sexo oposto, rivalizou com o genitor do mesmo sexo, administrou as ameaças de castração e as ambivalências decorrentes deste conflito triangular marcarão sua forma de estar no mundo e de lidar com os sofrimentos decorrentes das relações interpessoais. Para Winnicott, esta pessoa pode ser muito ferida, mas sobre ela não paira a ameaça de aniquilação. Este psicanalista toma com exemplar de sua pesquisa momentos mais arcaicos do existir humano, em que o bebê ainda não se sente uma pessoa inteira, habitando seu próprio corpo e com habilidade para se relacionar com a realidade externa. Loparic nomeia o exemplar winnicottiano como o do “bebê no colo da mãe”. Em função da extrema fragilidade do neonato, um padrão de falhas nos cuidados ambientais não incidirá sobre o curso de seus desejos e moções pulsionais, expondo-o a uma ansiedade de castração. Esse padrão atingirá seu incipiente “continuar a ser” expondo-o a uma agonia impensável cuja sensação equivale a um “ser feito em pedaços”, “ser deixado cair”, a uma “desunião psicossomática” e a um completo isolamento “devido a ausência de comunicação”. Winnicott nos mostra que, em casos assim, no lugar do inconsciente reprimido que traz consigo os conflitos pulsionais inerentes às pessoas inteiras, encontramos uma cisão na pessoa do paciente. O que está em jogo aqui não é a ameaça de ser ferido, mas de ser aniquilado. Com esse minicurso que antecede ao XXVII Colóquio Winnicott Internacional – Interpretações da Revolução Winnicottiana pretendemos examinar o que muda na psicanálise quando se lança luz sobre este outro tipo de exemplar. Em que medida esse aspecto do paradigma winnicottiano modifica a maneira de pensar a clínica, o papel da família, a brincadeira, a arte e demais manifestações culturais? Em que medida muda a linguagem para falar do ser humano, sua saúde e seu adoecer? De que forma esse passo atrás rumo ao exame de experiências mais arcaicas produz uma revolução em relação à psicanálise freudiana? Essas são questões que almejamos examinar neste minicurso tendo como referência o estudo que Zeljko Loparic fez – à luz da obra A estrutura das revoluções científicas de Thomas Khun – acerca da diferença entre o paradigma freudiano e winnicottiano. Para uma execução mais profícua desta tarefa teórica, pretendemos usar como recurso didático a análise de aspectos da biografia e da arte do pintor Vincent Van Gogh. Considerando o contexto da pintura de alguns de seus autorretratos, as cartas que escreveu ao seu irmão Théo e dados sobre suas internações psiquiátricas visamos fazer o exercício de nos perguntar se sobre ele pairava a ameaça de ser ferido ou de ser aniquilado.

Programação

AULA 1 – 02 de maio 2023:

  • apresentar o conceito kuhniano de paradigma e os componentes de uma matriz disciplinar
  • examinar a proposta de Zeljko Loparic de leitura da História da Psicanálise a partir do conceito de paradigma formulado por Thomas Khun
  • analisar as consequências teóricas e clínicas do paradigma edipiano desenvolvido por Freud
  • analisar as consequências teóricas e clínicas do paradigma do “bebê no colo da mãe” desenvolvido por Winnicott

AULA 2 – 03 de maio 2023

  • investigar os fatores que levaram Winnicott a promover uma revolução na psicanálise de Freud.
  • examinar em que medida a posição de Winnicott em relação a conceitos da psicanálise de Freud – pulsão, realidade, brincar, cultura, corpo, aparelho psíquico – apontam para um horizonte teórico revolucionário.
  • analisar, na perspectiva de Winnicott, a diferença entre ser ferido e ser aniquilado e como essa diferença reflete em sua revolução paradigmática
  • articular a discussão sobre o tema com a biografia e a arte de Vicent Van Gogh

Expositora

Caroline Vasconcelos Ribeiro (UESB/IBPW/IWA)

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei, mestrado em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba e doutorado e Pós-doutorado em Filosofia pela UNICAMP. É Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Colaboradora do Programa de Pós-graduação em Memória, Linguagem e Sociedade (PPGMLS/UESB). Membro da International Winnicott Association (IWA) e do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW). Tem experiência na área de Filosofia Contemporânea, Psicanálise e Filosofia da Psicanálise. Publicou vários textos sobre o diálogo entre a Psicanálise de Winnicott e a Filosofia de Heidegger. Organizou a obra "Ontologia e Psicanálise: diálogos possíveis" (DWWeditorial, 2018). Com Zeljko Loparic organizou “Winnicott and the future of psychoanalysis”; (IWAbooks/DWWEditorial, 2017) e com Eder Santos organizou “Winnicott e a Filosofia” (DWWeditorial, 2021).

Inscrições

INSCRIÇÕES ENCERRADAS

Valores:

R$ 154,00 – Profissional
R$ 121,00 – Estudante
R$ 88,00 – Filiado IBPW

O minicurso será gravado e as aulas ficarão disponíveis por 30 dias.

 

Bibliografia

DIAS, E.  Winnicott em Nova Iorque: um exemplo da incomunicabilidade entre paradigmas. In: Natureza Humana, São Paulo: EDUC, vol 7. 2005

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_________ A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. São Paulo: DWWeditorial, 2017

__________O vocabulário da revolução winnicottiana. IN: RIBEIRO; SANTOS (org). Winnicott e a Filosofia. São Paulo: DWWeditorial, 2021

FREUD, S. “Três ensaios sobre a sexualidade”. in: Edição Standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996a. Vol. VII

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_________. “Um estudo Autobiográfico (Selbstdarstellung)”. in: Edição Standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996c  Vol. XX.

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