Apresentação
Em março de 1984, por iniciativa de Z. Loparic, então coordenador do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da Unicamp, foi criado, no Departamento de Filosofia (DF) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) dessa universidade, o Curso de Especialização em Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise. O curso contou com o apoio administrativo do CLE e teve, entre seus primeiros docentes, além do próprio Loparic, os professores Bento Prado de Almeida Ferraz Jr., Luiz Roberto, Monzani, Osmyr Faria Gabbi Junior, grupo constituído para essa finalidade. Com o corpo docente ampliado, que passou a incluir Oswaldo Giacoia Junior, Jeanne Marie Gagnebin, e Urias Corrêa Arantes, o curso foi oferecido até o ano de 1997, quando foi integrado como área de concentração na pós-graduação em filosofia do DF da Unicamp.
Na retrospectiva, trata-se do primeiro curso universitário no Brasil em nível de pós-graduação dedicado principalmente, embora não exclusivamente, à psicanálise freudiana. Nascia, neste contexto, a filosofia brasileira da psicanálise com objetivos ainda muito genéricos, inspirados em boa parte pelo quadro de ideias-guia de um centro de epistemologia e história da ciência, e sem uma linha de pesquisa claramente formulada. Entretanto, muito rapidamente, foram se formando quatro linhas originais de abordagem de Freud, que foram exemplificadas pelos textos da coletânea Freud na filosofia brasileira, organizada por L. Fulgencio e R. Simanke para a Coleção Filosofia no Brasil dirigida por Loparic na Editora Escuta, volume que é uma das principais referências para o estudo da história da filosofia da psicanálise no Brasil. Seguiram-se outros desdobramentos: cada um dos quatro docentes iniciais criou seu grupo de orientandos e enriqueceu sua linha de pesquisa. Seus alunos e novos colegas trouxeram outras perspectivas de estudo e ensino, que até hoje se fazem sentir no Grupo de Trabalhos em Filosofia e psicanálise da ANPOF – criado em 2002 por iniciativa conjunta do grupo de Loparic na PUC-SP e de Osmyr na Unicamp –, que passou a congregar boa parte de trabalhos de pesquisa nessa área.
O presente evento destina-se a resgatar a memória e avaliar a importância histórica desses desenvolvimentos.
Inscrições
*O evento também será ministrado inteiramente online e a gravação ficará disponível por 30 dias.
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Mini Currículo
Zeljko Loparic é Professor-titular aposentado de filosofia da Unicamp. É fundador de várias instituições, nacionais e internacionais, entre elas da Sociedade Kant Brasileira (1989), do International Winnicott Association (2013) e do Instituto Winnicott, do qual é presidente (desde 2015). Em 2004, idealizou e iniciou, com Elsa Oliveira Dias, o Curso de Formação Winnicottiana, hoje ministrado internacionalmente. Em 2007, criou a DWWeditorial e a Livraria Piggle. Ao longo dos anos, lançou uma série de órgãos de publicação, tais como Natureza Humana e, mais recentemente, Boletim Winnicott no Brasil. Defende a tese da revolução winnicottiana na psicanálise e em outras áreas da saúde. A totalidade de suas obras publicadas e a sua cronologia são acessíveis via Acervo Loparic.
Caroline Vasconcelos Ribeiro possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei, mestrado em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, doutorado e Pós-doutorado em Filosofia pela UNICAMP, sob orientação de Zeljko Loparic. É Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Membro do Programa de Pós-graduação em Memória, Linguagem e Sociedade (PPGMLS/UESB). Membro da International Winnicott Association (IBPW) e do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW), Membro do conselho curador (IBPW). Tem experiência na área de Filosofia Contemporânea, Psicanálise Winnicottiana e nos Estudos sobre a Memória.
Éder Soares Santos possui graduação em Filosofia (1997), mestrado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2001), doutorado sanduíche em Filosofia – Universität Freiburg (Albert- Ludwigs) (2005), doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas/SP (2006) e pós-doutorado na Bergische Universität Wuppertal (2015). Tem pesquisado na área da Filosofia da Psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia da psicanálise, fenomenologia existencial, teoria dos paradigmas em Kuhn, teoria do amadurecimento pessoal. Publicou os livros Winnicott e Heidegger: aproximações e distanciamentos. São Paulo: DWW Editorial/FAPESP, 2010 e Path of Science of Man in Heidegger. Nordhausen, Alemanha: Traugott Bautz, 2019. Publicou vários artigos e capítulos de livros sobre temas relacionados à filosofia e psicanálise. Foi Coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia (mestrado/doutorado) da Universidade Estadual de Londrina, nas gestões 2009-2013 e 2017-2021. Professor Associado no Departamento de Filosofia na Universidade Estadual de Londrina – Paraná.
Richard Simanke é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Filosofia e Metodologia das Ciências pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Doutor em Filosofia pela USP. Professor do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da UFSCar entre 1994 e 2012 e do Departamento de Psicologia da UFJF de 2012 até o presente. Professor Visitante da Universidade de Essex, Inglaterra (2024-2025). Autor dos livros “A formação da teoria freudiana das psicoses” (Ed. 34, 1994; 2ª. edição Loyola, 2009), “Metapsicologia lacaniana: os anos de formação” (Discurso Editorial, 2002) e “Entre o corpo e a consciência: ensaios de interpretação da metapsicologia freudiana” (com Fátim a Caropreso; EDUFSCar, 2011), “A fundação da psicanálise: uma análise do ‘Projeto de uma Psicologia’ de Freud. Vol. I: Do neurônio à memória” (Editora Langage, 2023) e “Repetição” (Editora Sinthoma, 2024). Editor, entre outros, de “Biosemiotics and evolution: the natural foundations of meaning and symbolism” (com Elena Pagni; Springer, 2021), “Bento Prado Jr. Hegel e Lacan: cinco conferências em filosofia da psicanálise” (Editora Zagodoni, 2022), além de muitos outros trabalhos nas áreas de história e filosofia da psicanálise e da psicologia, história e filosofia da psiquiatria, fenomenologia e epistemologia, entre outras. Professor Titular da UFJF e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Miguel Bairrão é Graduado em Psicologia e em Filosofia pela USP (IP e FFLCH). Doutor em Filosofia pela UNICAMP (IFCH). Livre-Docente em Psicologia Social pela USP (FFCLRP). Coordenador do Laboratório de Etnopsicologia do Departamento de Psicologia (USP-RP). Membro dos GTs de Etnopsicologia da ANPEPP e Filosofia e Psicanálise da ANPOF.
Francisco Bocca é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela PUCCAMP (1985); bacharel e licenciado em Filosofia pela UNICAMP (1997); mestre e doutor em Filosofia pela UNICAMP (1994-2001). Pós-doutorado em Filosofia pela UFSCar (2009), pela Universidade de Paris VII – Denis Diderot (2014) e pelo CNAM – Paris (2023). Professor Titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atua nos seguintes temas: filosofia da história, psicanálise, materialismo e evolucionismo. Compõe a linha de pesquisa Filosofia da Psicanálise do PPGF-PUCPR. No biênio de 2008 a 2009 ocupou a coordenação do G. T. Filosofia e Psicanálise da ANPOF. É coautor da obra “Ontologia sem espelhos” (Ed. CRV, 2015) (Reeditada em francês em 2019 pela editora LHarmattan, Paris), autor de “Do Estado à Orgia” (Ed. CRV, 2016), coautor de “O pêndulo de Epicuro” (Ed. CRV, 2019) e autor de “Filosofia entrópica” (Ed. CRV, 2023). Foi bolsista produtividade pela Fundação Araucária – PR no ano de 2013. Atualmente é bolsista produtividade PQ-CNPq.
Fátima Caropreso é Psicóloga, Mestre e Doutora em filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é Professora Associada do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora e é Visiting Fellow no Departamento de Estudos Psicossocias e Psicanalíticos da Universidade de Essex (UK). É autora de vários artigos, livros e capítulos sobre história e filosofia da psicanálise. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.
Programação
09h30 – 09h40 | Abertura: Daniel Omar Perez |
09h40 – 10h20 | Palestra 1: Zeljko Loparic Título: O início e o desenvolvimento da filosofia da psicanálise no Brasil Mediador: Daniel Omar Perez |
10h20 – 10h55 | Palestra 2: Caroline Vasconcelos Título: De 1984 a 2004: Surgimento de Winnicott na filosofia da psicanálise no Brasil Mediador: Daniel Omar Perez |
10h55 – 11h30 | Palestra 3: Eder Soares Título: A psicanálise de Winnicott sob um prisma filosófico Mediador: Daniel Omar Perez |
11h30 – 12h20 | Debate |
12h20 – 13h50 | Almoço |
13h50 – 14h25 | Palestra 4: Richard Simanke Título: Sérgio Rouanet e o surgimento da filosofia da psicanálise no Brasil Mediador: Daniel Omar Perez |
14h25 – 15h00 | Palestra 5: Miguel Bairrão Título: Campo de Fora e campo por dentro: fronteiras da escuta psicanalítica Mediador: Daniel Omar Perez |
15h00 – 15h35 | Palestra 6: Francisco Bocca Título: Charcot, desenhador da histeria. Ou a crítica médica de arte Mediador: Daniel Omar Perez |
15h35 – 16h10 | Palestra 7: Fátima Caropreso Título: A concepção de trauma no movimento do pensamento freudiano Mediador: Daniel Omar Perez |
16h10 – 17h00 | Debate |
17h00 – 17h30 | Encerramento: Daniel Omar Perez |
Resumos
O início e o desenvolvimento da filosofia da psicanálise no Brasil
O presente artigo propõe-se a situar a criação do Curso de Especialização em Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise (CFFPP) em 1984, na Unicamp, evocando o contexto institucional e teórico no qual se deu o início da filosofia da psicanálise no Brasil, considerando ainda os principais passos dados em direção da consolidação dessa área da filosofia no país.
De 1984 a 2004: Surgimento de Winnicott na filosofia da psicanálise no Brasil
Pretendemos abordar a maneira como a psicanálise winnicottiana passou a ser examinada no horizonte do Curso de Especialização em Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise. Para isso, indicaremos como as pesquisas de Zeljko Loparic e Elsa Dias foram pioneiras na apresentação das potencialidades filosóficas do pensamento winnicottiano, revelando que as bases ontológicas subjacentes ao seu arcabouço teórico eram diferentes das freudianas e se aproximavam da perspectiva fenomenológica. Com o surgimento de Winnicott na seara da Filosofia da Psicanálise brasileira, abriram-se distintos caminhos de pesquisa que mostraram como sua teoria revolucionou a matriz disciplinar freudiana e apresentou um campo clínico mais ligado à cura pelo cuidado do que à cura pela palavra. Almejamos, com esta comunicação, apresentar alguns resultados decorrentes da investigação filosófica da psicanálise winnicottiana.
A psicanálise de Winnicott sob um prisma filosófico
A apresentação tem por objetivo destacar como a psicanálise de Winnicott se desenvolveu enquanto tema de interesse filosófico a partir do Curso de Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise do CLE. Para tanto, ressaltaremos o trabalho de pesquisa de Zeljko Loparic ao postular uma diferença de paradigmas na história da psicanálise. Em seguida, procuraremos mostrar que uma leitura à luz da fenomenologia hermenêutica de Heidegger é profícua quando aproximada à teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott, porém deixando claro que um aprofundamento de uma análise filosófica da psicanálise winnicottiana também exige um certo distanciamento e uma ampliação de horizonte para além da filosofia de Heidegger.
Sérgio Rouanet e o surgimento da filosofia da psicanálise no Brasil
O desenvolvimento da filosofia da psicanálise no país pode ser dividido em um momento de fundação que se estende até início dos anos 1990, sendo seguido por um período de consolidação na década seguinte, e outro de expansão, ainda em curso. Neste contexto, os trabalhos de Sérgio Paulo Rouanet participam como protagonistas no período de fundação da filosofia brasileira da psicanálise, embora sua contribuição, de forma alguma, se tenha encerrado aí. Seus trabalhos publicados nos anos 1980, tais como O Édipo e o anjo (1981), Teoria crítica e psicanálise (1983) e A razão cativa (1985), foram pioneiros na abertura de vias de diálogo entre a psicanálise e diversas tradições filosóficas, como a escola de Frankfurt ou o Iluminismo, e com a história da filosofia como um todo. O ob jetivo deste trabalho é fazer uma análise inicial da contribuição de Rouanet neste processo, identificando seus principais eixos temáticos, avaliando sua repercussão e influência e comparando seu trabalho com o de outros autores protagonistas na criação e desenvolvimento desta área de pesquisa no país.
Campo de Fora e campo por dentro: fronteiras da escuta psicanalítica
Independentemente de se encapsular numa repetição infindável de enunciados dos seus fundadores, numa aparente indiferença ao seu impacto intelectual, político e mesmo civilizacional, é fato que historicamente a psicanálise tem sido acossada por vozes que ora lhe imputam um papel revolucionário em múltiplas esferas, ora a reduzem a um epifenômeno do ápice de uma cultura europeia, como tal datada e condenada historicamente. Provavelmente há algo de verdade e de miopia nestas duas visões, posto que quando a disciplina sai do umbigo da autocomemoração e do retorno escolástico ao próprio umbigo tem de se haver com desafios que provêm de um aparente descompasso, tanto na clínica como na sua aplicação à pesquisa social, entre a radicalidade dos seus procedimentos e a sua ancoragem em preconcepções do psicológico. A título ilustrativo, serão elencadas algumas dessas assimetrias, nomeadamente a dicotomia entre memória e percepção, um protagonismo do morto e do não ser diverso da inércia, o esgarçamento do estatuto antropomórfico e psicobiológico de sujeito e a ampliação da escuta a formas de enunciação situadas de um entendimento de corpo desatrelado do anatomofisiológico.
Charcot, desenhador da histeria. Ou a crítica médica de arte
Artigo dedicado a reconstruir, por meio de uma revisão biográfica e bibliográfica, o projeto científico-estético do hospital Salpêtrière da segunda metade do século XIX, com destaque para o interesse de Jean-Martin Charcot e colaboradores pela arte, especialmente pelo desenho como instrumento de pesquisa, nosografia, diagnóstico e ensino da histeria. Tem como objetivo mostrar que este interesse se efetivou na proposta de uma relação recíproca de influência e colaboração entre ciência médica e arte, conferindo à primeira a condição de crítica médica de arte, tendo como ideal artístico o naturalismo. Ele é finalizado com uma reflexão crítica que avalia os resultados de tal colaboração entre ciência e arte, bem como os desdobramentos dessa cooperação a partir do advento da psicanálise freudiana.
A concepção de trauma no movimento do pensamento freudiano
No início da teoria freudiana sobre o aparelho psíquico e as neuroses, duas vivências são pensadas como estruturantes do funcionamento psíquico normal e patológico: a vivência de satisfação e a vivência de dor, respectivamente. Em um segundo momento, o papel da vivência de dor é minimizado e a vivência de satisfação passa a constituir o fundamento principal a partir do qual o desenvolvimento do psiquismo transcorreria. Contudo, a partir de “Além do princípio do prazer” (1920), não apenas a vivência de dor é retomada em outro contexto e outro plano de significação, como passa a ser considerada a experiência primordial no psiquismo. Essa retomada da vivência de dor – que a partir de 1920 passa a ser chamada de “trauma” – está associada à formulação dos conceitos de compulsão à repetição e pulsão de morte. Em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926), Freud volta a situar o trauma na origem das neuroses. O objetivo desta apresentação é discutir a concepção freudiana de trauma como um exemplo do movimento do pensamento freudiano, tal como descrito por Luiz Roberto Monzani.
Local
Evento híbrido – Online ou Presencial
CLE (Centro de Lógica da Unicamp)