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Terapia winnicottiana de casal

Na página 118 do livro “Tudo começa em casa”, Winnicott refere-se ao lar – e nomeadamente ao trabalho dos pais de compreender os filhos – como factor único (ou talvez eu preferisse dizer “principal”) para a tendência democrática do sistema social de um país. Na mesma linha acrescenta que, obviamente, o lar é de inteira responsabilidade dos pais. Esta responsabilidade associa-se, por sua vez, não só às condições maturacionais de cada um dos pais, como também à relação de casal formada entre os dois. Sendo assim, é fácil deduzir que, na saúde, é a boa relação de casal que sustenta e favorece o bom desenrolar, não só do amadurecimento dos filhos, como também, da continuidade do próprio amadurecimento de cada um dos elementos do casal – já que o amadurecimento é um processo contínuo que não cessa, até a morte.
Por outro lado, no caso de adoecimento de algum elemento da família (nomeadamente de um filho), é preciso que o casal funcione para que a família possa funcionar como “hospital maturacional”1, se for necessário; e para que ambos os pais estejam disponíveis, apoiando-se um ao outro, para se adaptarem às necessidades maturacionais que levarão à recuperação daquele elemento da família.
O meu interesse por casais e pelas dinâmicas familiares deu-se pela coincidência de, a determinada altura, ter sido procurada por muitos casais, em busca de ajuda, por variadíssimas razões2, mas com consciência clara (quando tinham filhos) de que estavam a prejudicar os filhos, falhando na sustentação de um lar seguro e de um bom ambiente familiar. 
Inspirei-me, naturalmente na teoria do amadurecimento de Winnicott (maravilhosamente detalhada e explicitada, como sabemos, por Elsa Oliveira Dias). Usei-a, como a uso em toda a minha clínica, na abordagem e compreensão dos problemas que cada casal (e cada membro do casal) me ia colocando. 
Com o tempo fui concebendo uma intervenção Winnicottiana na terapia de casais que tem por base dois princípios. O primeiro, retirado do texto “Aconselhando os Pais”, do livro “A Família e o Desenvolvimento Individual”, no qual Winnicott descreve três características fundamentais para a abordagem dos problemas familiares e de intervenção com país. São eles:
1- A diferença entre tratamento de doenças e conselhos sobre a vida;
2- A necessidade de conter o problema, ao invés de oferecer uma solução; e
3- A entrevista profissional; na qual destaco o valor da confiabilidade.
O segundo princípio que norteia este meu trabalho com casais, e que configura o meu modelo de intervenção na Terapia de Casal (que posso apelidar de Winnicottiana), foi retirado da abordagem que Winnicott utiliza nas “Consultas Terapêuticas em Psiquiatria” (descrito no seu livro com o mesmo nome). A principal diferença entre a intervenção com casais e a intervenção nas “Consultas Terapêuticas” é que aqui o número de sessões não está limitado a três ou quatro sessões na totalidade do processo; sendo que, à semelhança do que se passa numa terapia individual ou numa psicanálise, elas se estendem até que o problema trazido se desbloqueie e o processo de amadurecimento (de cada elemento do casal e da própria relação) siga o seu curso natural3. No mais, a intervenção decorre seguindo o modelo das “Consultas Terapêuticas”, por sua vez importado do “Jogo da Espátula”, descrito no texto de 1941 “A Observação de Bebés numa Situação Padronizada” do livro “Da Pediatria à Psicanálise”.
A intervenção segue então os três passos conhecidos:
1- Um primeiro momento de hesitação/confiança;
2- A comunicação significativa; E finalmente,
3- O momento em que o objeto deixa de ser preciso – quando o casal se “livra” do analista.
1- No primeiro momento, um e outro membro de casal expõe a sua forma de ver o problema. Normalmente há um deles mais hesitante. Aqui, o papel do analista será facilitar que a comunicação flua e que os dois exponham livremente o que pensam e o que sentem.
2- No segundo momento, cada um encontra uma comunicação significativa – que corresponde à questão maturacional de cada um deles, expressa no contexto que envolve o problema da relação entre os dois. Aqui, o papel do analista será receber e acolher essas comunicações significativas; facilitando, simultaneamente, que ambos comuniquem significativamente um com o outro. 
Normalmente é possível encontrar uma terceira comunicação significativa – que corresponde à complementaridade do problema de cada um. 
Assim, temos em causa:
– O ponto do amadurecimento bloqueado em cada um dos elementos do casal; e
– O ponto do amadurecimento bloqueado na relação entre os dois (a relação de casal).
3- O terceiro momento é a identificação das questões em jogo, por cada um dos elementos do casal e a construção (pelos dois) de um caminho que leve à resolução do problema (quer ela passe pela continuidade da relação, quer ela passe pela separação do casal). Finalmente, o analista pode ser dispensado. 
A princípio, este tipo de intervenção está indicado para qualquer tipo de pessoa. No entanto, se o problema maturacional de cada um dos elementos do casal for anterior à fase do “uso do objeto”, a terapia não dispensa que cada um deles faça o seu processo terapêutico individual. Além disso, pode ser o caso de – pelo menos durante algum tempo – a terapia de casal não ter sentido e ter que ser suspensa. 
Normalmente, quem procura a terapia de casal são pessoas já relativamente amadurecidas, dispostas a identificar problemas, dispostas a porem-se em causa e dispostas a encontrar novos caminhos. São pessoas inteiras, habitualmente capazes de assumir responsabilidades, mesmo que possam ter essas aquisições comprometidas (até pelo facto da relação estar adoecida ou melindrada, provocando a regressão dos seus elementos). No entanto, pessoas menos maduras podem também beneficiar desta abordagem, mesmo que seja apenas um primeiro passo, num caminho que eventualmente terá que ser iniciado em terapias individuais de cada um deles.
É importante ter em linha de conta que, embora os componentes do casal (e respectiva compreensão das suas problemáticas maturacionais) sejam fundamentais neste tipo de intervenção, o “paciente” na terapia de casal, é a própria relação: o espaço “entre” onde se desenham os fenómenos transicionais (eventualmente comprometidos, com ramificações – ou não – para núcleos mais primitivos do amadurecimento).
Em qualquer circunstância, o claro benefício deste tipo de terapia é um aumento claro da autenticidade; seja a conclusão um reencontro entre o casal, seja a conclusão a separação entre eles. O benefício mais profundo é, naturalmente, a retoma do amadurecimento de cada elemento do casal e, seja qual for o caso, da própria relação. 
A grande diferença – e a meu ver, vantagem – entre a terapia Winnicottiana de casal e a terapia de casal clássica é esta estar apoiada na teoria do amadurecimento para a compreensão do funcionamento humano e das dinâmicas relacionais: partindo da compreensão do ponto em que o amadurecimento parou (ou bloqueou), é possível facilitar o amadurecimento de cada um e facilitar que cada um facilite o amadurecimento do outro. Isto leva a que a própria relação entre em terapia, ampliando o espaço potencial e o viver criativo do casal.
Deixaria apenas uma última nota. Tenho vindo a observar na clínica, que é possível chegar ao casal (e à relação) a partir da intervenção individual; assim como é possível chegar à pessoa (a cada um dos elementos do casal) a partir da intervenção de casal. Como tudo na clínica Winnicottiana, cada caso é um caso e em cada caso a nossa atenção tem que ser específica pois não há situações iguais. Por isso, o que aqui deixei são meras reflexões que (penso) podem ser úteis a quem (como eu) trabalha com casais; mas está longe de ser uma regra ou (muito menos) uma técnica. Espero ter sido, de alguma forma útil. Muito obrigada. 
Notas: 
1. Expressão de Loparic, calcada da expressão “hospital mental” de Winnicott – pois “mental” tem uma conotação (na totalidade da obra do próprio Winnicott) que, acreditamos, não era a que  Winnicott lhe queria dar; sendo “maturacional” a expressão mais adequada ao que entendemos que ele queria dizer.
2. Nem todos os casais que procuram ajuda padecem de doença ou têm uma relação doente. Por vezes, o pedido tem que ver com circunstâncias de vida que exigem demasiado da relação, ocorrendo crises que desequilibram cada um dos parceiros e a própria relação. A ajuda, nestes casos é muitas vezes breve e tem como fim ajudar a ultrapassar a situação de crise e a alcançar um novo equilíbrio que permita a continuidade do amadurecimento da relação e dos próprios elementos do casal.
3. Pode acontecer também que três ou quatro sessões sejam suficientes, ou até mesmo, pode acontecer (como já me aconteceu) que uma só sessão seja suficiente. O que eu quero dizer é que aqui, o número de sessões não está previamente limitado.
Maria do Rosário Belo 
12 de julho de 2021
Fala de abertura da live: “Família” transmitida no youtube
pelo canal WINNICOTT URGENTE, no dia 19 de junho de 2021.
Clique aqui para assistir

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